O PIONEIRISMO NO JATO (1/2)

O PIONEIRISMO NO JATO (1/2)

Meu voo no Caravelle – o avião era uma joia

Com a aquisição do Caravelle em 1959, Berta garantiu para a Varig o pioneirismo da era do jato no Brasil

Berta fazia um incrível jogo de cena, passando a ideia que ainda nada estivesse resolvido, ou mais o menos. Era a forma de espichar a presença na mídia. e  embrulhar a concorrência.

Já com a aquisição do bi-reator Caravelle, em fase de conclusão, com data prevista para entrega de fábrica, Berta solicitou  que  Sud  Avition viesse ao Brasil, para que a aeronave fizesse demonstrações junto ao  pessoal da  casa e, especialmente, para a Aeronáutica, políticos, empresários e jornalistas. Era  a velha técnica usada pelo presidente em fazer suspense e atrair a atenção do público – alvo e formador de opinião, criando expectativa, sem dar certeza absoluta que o negócio estivesse sacramentado, buscando no final usufruir  dos comentários. Era um tiro tão certeiro, que ele corria por conta e risco, sem medir as consequências

Depois dos voos de cortesia em São Paulo e Rio de Janeiro, o jato deslocou-se até Porto Alegre, ficando na base de manutenção da Varig, onde foram realizados diversos voos de demonstração. De um deles participei a convite do diretor Henri Beaumel, a quem na época eu era subordinado. Por ser francês ele vivia um momento de glória com a aquisição do moderno jato pela empresa que adotara como sua, aqui no Brasil. Tive a companhia, na oportunidade, de alguns colegas da engenharia e da manutenção de pista, o que me valeu tomar conhecimento de uma série de comentários, todos elogiando a performance do espetacular aparelho.

O ingresso dos passageiros no Caravelle se dava através de uma porta traseira, que acionada, transformava – se em escada estrutural de acesso. O frete era embarcado por uma porta dianteira ampla. O voo foi suave, sem vibração. A ausência de ruídos era causado pela posição das entradas de ar dos motores, atrás da cabine de passageiros, à ré da fuselagem. As asas, desembaraçadas de qualquer outro elemento, ganhavam pureza aerodinâmica, aumentando o rendimento da máquina. O pessoal da Sud Aviation , liderado pelo diretor  George Hereli esmerava-se em detalhes garantindo, entre outras coisas, que a possibilidade dos riscos de incêndio num pouso de barrica era nula  (coisa que não veio a se confirmar quando o avião fez pouso forçado em Brasília).

A  turma da manutenção logo notou a vantagem da pouca altura do solo que tornava acessível suas partes sem a necessidade de escadas para alcançar as turbinas. O colega João Muller,  do setor de cargas, recebeu importantes informações, dentre as quais, a de que o avião tinha sido projetado para ser facilmente conversível de 1ª classe à cargueiro e qualquer estágio intermediário. Entre as conversas que escutei a bordo falava-se muito sobre o desempenho do avião. Discutiam-se as razões da escolha dos motores a jato e o surgimento  dos motores turbo hélice de alta potência e baixo consumo de combustível, com velocidade de cruzeiro de 400 mph, Os grandes jatos previstos para a década de 60 deveriam atuar com velocidade acima de 550 mph  As empresas, comentava-se,  estavam comprando primeiro um, depois o outro. O Caravelle permanecia como meio termo com suja velocidade entre 475 a 550 mph.


Enquanto dissimulava compra, Berta mandava seus técnicos estagiarem na fábrica de Toulouse e acompanhar a encomenda de dois jatos.  Nada menos do que 31 fábricas da França, 21 dos estados unidos e 14 da Inglaterra uniram-se para   construir o Caravelle a cargo da Sud Aviation .

Os motores eram fabricados na Inglaterra pela Rolls Royce, o sistema hidráulico era da Lockheed, os freios e pneus da Dunlop inglesa, dos Estados Unidos vinham o piloto automático da Hear, os tanques de combustível da Siemens, a antena HF da Collins e o equipamento do radar da RCA Victor. 

A maior fábrica francesa ficava em Toulouse, onde era feita a montagem do caravelle, ocupando cerca de 5.500 operários.


Esse e muitos outros motivos fizeram Berta decidir por receber o jato francês antes do Boeing – 707, atrasado na entrega da encomenda. Entre as razões relevantes  estava, certamente, o desejo da Varig em manter o pioneirismo do jato na aviação comercial brasileira,( e cumprir promessa feita a JK) ideia sempre perseguida por Berta. Os manuais de serviço foram distribuídos ainda a bordo para o pessoal técnico  e da propaganda , com textos e fotos, O voo sobrevoou o estado,  sendo misto de entretenimento  e muita informação, recebendo total aprovação, inclusive voando com uma das turbinas propositadamente apagada. No final, Berta que já tinha a ideia definida, comunicou  à imprensa o interesse da Varig para a aquisição da aeronave.

 Em 1959,  o pouso do  jato de última geração, no Salgado Filho, trazia a certeza de que o mundo da aviação estava mudando para todos nós. De uma simples  empresa regional a Varig dava o passo definitivo para ingressar no mundo da modernidade. Era o progresso que batia à porta, sem chance de rejeição.  Entusiasta  multidão aguardava a chegada do Caravelle PP-VJC, vindo da fábrica da Sud  Aviation, na França. Os convites se repetiram  Eram autoridades, empresários,  jornalistas, além dos funcionários, acrescido do público em geral,  que assim como eu, vibrou com a incrível conquista. Quando desceu em solo gaúcho o jato francês representava o pioneirismo da Varig, dando continuidade a um propósito histórico de Berta em sempre chegar primeiro, rumo a liderança dos céus brasileiros e do mundo.

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